A psicoterapia existencial, análise existencial e daseinsanalysis, são termos correlatos e se referem a modelos de psicoterapia fundados na filosofia existencial. Terapeutas estabeleceram diferentes propostas de psicoterapia em grande parte ancorados na fenomenologia de Husserl e no existencialismo de Heidegger.
As ideias mais remotas de uma psicoterapia existencial podem ser encontradas na filosofia antiga dos gregos. Sócrates e seus alunos desenvolveram uma primitiva forma de terapia baseada na conversação, ainda que não tivessem objetivosterapêuticos explícitos.
Filósofos modernos como Nietzsche, Schopenhauer e Kierkegaard lançaram as bases de uma filosofia existencial, representando o último, um marco importante no desenvolvimento desta filosofia. Assim como os antigos filósofos, não tinham propósitos de desenvolver uma terapêutica, mas contribuíram na sua construção.
Foi a partir das ideias da fenomenologia de Husserl e do existencialismo de Heidegger que a proposta de uma psicoterapia ganhou sentido. Vários autores desenvolveram seus projetos terapêuticos com base nestes filósofos. Entre eles, temos Ludwig Binswanger, Viktor Frankl e Medard Boss.
Binswanger sofreu muitas críticas por sua interpretação subjetivista do pensamento de Heidegger e terminou por mudar a denominação de sua proposta terapêutica para “fenomenologia antropológica”, porém foi com Medard Boss que as ideias de Heidegger ganharam uma dimensão propriamente terapêutica.
Medard Boss foi um psiquiatra e psicólogo suíço, nascido em 1903. Analisado por Freud, teve grande dificuldade em pagar as sessões. Freud teria devolvido parcialmente os valores de seus honorários para ajudar Boss, já que o pai de seu paciente não concordava com a análise por Freud. Freud relata, em seus textos, um determinado paciente que trazia conteúdos orais importantes nas sessões de análise, quando verificou que seu paciente passava fome e o ajudou para que pudesse comprar um pouco de carne e melhorasse sua alimentação. Teria sido Medard Boss?
Boss teve o apoio e orientação de Bleuler, assim como Jung, em sua formação psiquiátrica propriamente dita, bem como pode ampliar seus conhecimentos psicanalíticos com Ernest Jones, Otto Fenichel, Karen Horney, Wilhelm Reich, entre outros. Conheceu Jung e Binswanger, os quais igualmente exerceram influências sobre seu pensamento, mas foi o encontro com Martin Heidegger que marcou decisivamente sua proposta terapêutica.
Ao contrário de Binswanger, Boss entendia que as ideias de Heidegger não significavam que pessoas neuróticas tinham seus projetos e propósitos individuais de forma isolada. Boss acreditava, como Heidegger, que o indivíduo teria seus próprios potenciais na definição de seu ser ou modo de ser, mas que estes estariam sempre inseparáveis do mundo. Entendia que tudo que acontece na vida do indivíduo teria suas razões e que na busca do conhecimento destas razões, os indivíduos procurariam encontrar os limites da realidade.
Disto decorre a ideia fundamental de Heidegger e Boss da compreensão do “ser no mundo”.
Analisado por Freud e tendo a Psicanálise como a teoria mais forte na busca pelo conhecimento do funcionamento mental ao seu tempo, Medard Boss construiu seu projeto terapêutico a partir de conceitos importantes da Psicanálise. Entre eles se destaca a questão dos mecanismos de defesa nas neuroses. Este terapeuta pensava nos mecanismos de defesa como produtos da evitação em clarear certos aspectos da vida do indivíduo.
Representariam, portanto, a escolha em colocar no escuro determinados aspectos da vida.
Os limites na percepção do mundo e da própria vida seriam características de neuróticos e psicóticos, os quais teriam dificuldades em sua superação. O cerceamento nessa percepção teria uma história que remontaria à infância, impossibilitando o desenvolvimento de seu potencial na construção de uma existência verdadeira.
Boss entendia que o processo terapêutico envolveria o desenvolvimento de uma capacidade de “clareamento” ou “abertura” para estes aspectos escuros da vida do indivíduo, o qual possibilitaria sua recuperação. A capacidade ou habilidade em perceber o que ocorre ao nosso redor como realidade seria elemento importante de saúde psíquica, sendo que o sofrimento seria a não aceitação do que é.
As ideias de Boss estão de acordo com as premissas de que haveria nos indivíduos neuróticos falhas no desenvolvimento do ego e que estes teriam dificuldades em sua abertura em conhecer a si mesmos e o próprio mundo. A diferença em relação ao pensamento psicanalítico seria na ênfase que se daria não em conhecer as causas, mas em proporcionar a liberdade de escolha e a habilidade em tomar decisões com responsabilidades próprias de um adulto.
Dr. Francisco Ruiz – Psiquiatra CRM 55945 RQE 33048