No mês do Setembro Verde, a APM de Indaiatuba convidou o médico neurologista e intensivista, membro da OPO – Organização de Procura de Órgãos do HC Unicamp, Dr. Luiz Antônio da Costa Sardinha, para falar sobre o Sistema de Transplante de Órgãos Brasileiro.
Para começar a explicar o funcionamento do sistema devemos entender que quem faz o Cadastro Técnico Único são as equipes de cada região, que devem estar credenciadas na Vigilância Sanitária, no Ministério da Saúde e no Sistema Nacional de Transplantes (SNT). Este cadastro deve ser renovado a cada 2 anos, a depender de alguns critérios: capacidade técnica da equipe, mortalidade dos pacientes, sobrevida e taxa de infecção.
Alguns órgãos possuem maior dificuldade de logística do que outros, como por exemplo: o coração deve ser transplantado em recomendável de até 4 horas, e aceitável ate 6 hs, então dependendo da distância entre o doador e o receptor, talvez o transplante não seja viável. Portanto, existe uma priorização regional e cada estado tem a sua Central Estadual de Transplantes (CET), que vai gerenciar a lista estadual. Outros órgãos, como o fígado e o rim tem um tempo recomendado/aceitável maior (em torno de 8 horas), então podem ser transportados para maiores distâncias. Lembrando que o tempo total tem que contabilizar a retirada do doador, o transporte do órgão e o tempo de implante ao receptor.
Outra possível dificuldade é que órgãos como o coração e o pulmão necessitam de uma sincronização das equipes do doador e do receptor, para que as duas consigam otimizar o tempo da melhor maneira possível.
O tempo que o órgão fica fora do corpo é chamado de “isquemia fria”, enquanto ele fica no líquido de perfusão, responsável por manter a viabilidade do órgão. Quanto menor o tempo de isquemia fria, melhor a qualidade do enxerto. Porém, não podemos garantir que o enxerto será efetivo, pois ocorrem diversos fatores que podem levar a “rejeição” do órgão pelo organismo do receptor, devido a produção de anticorpos pelo receptor que reconhecem o órgão como um “corpo estranho”.
Todos os órgãos e tecidos possuem uma Câmara Técnica específica nacional, e cada central estadual possui a sua câmara técnica, que avalia a conduta da equipe. A indicação de priorização de um paciente, que é aquele que está em um quadro de insuficiência grave do órgão alvo, que na grande maioria dos casos
sob cuidados de terapia intensiva.
Quando priorizamos um paciente, devemos confirmar os exames e encaminhá-los a câmara técnica que irá avaliar os documentos encaminhados, sendo resguardada o anonimato e a sua localização, impedindo assim a ocorrência de algum conflito de interesse na avaliação. Os pacientes/receptores são identificados por número de registro no sistema e as famílias do receptor e do doador não podem ter contato algum.
Um dos principais pontos a serem considerados é a tipagem sanguínea ser compatível entre doador/receptor.
A partir do momento que se estabelece os pacientes que podem receber o órgão do doador, analisa-se as condições clínicas do receptor, dados antropométricos (o órgão “caber” no organismo do receptor) e as comorbidades (quais outras doenças de base o receptor tem, como diabetes, hipertensão arterial, cirrose hepática), tempo de internação hospitalar. Também existem os casos de o órgão estar disponível para o receptor e este desistir no momento da cirurgia, por medo do procedimento ou outras questões pessoais.
Os órgãos dos doadores são cuidadosamente analisados quanto a sua viabilidade. Quando uma pessoa se declara doadora de órgãos não significa que todos os seus órgãos poderão ser utilizados por receptores, pois podem apresentar alguma condição patológica (lesão tumoral, infecção, cistos) que inviabilize o “uso” deste órgão, sendo descartados.
Para realizar o diagnóstico de Morte Encefálica é utilizada a Lei nº 9175 de 2017 e a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2173 de 2017 e estas devem ser seguidas rigidamente. O diagnóstico é realizado com exame de 2 médicos diferentes, na realização dos exames clínicos e um terceiro que irá realizar e laudar o exame complementar. No Brasil o exame complementar é obrigatório.
O local de morte do paciente determina onde serão feitos os trâmites da doação.
Os prontuários dos doadores são guardados por 20 anos com todas as informações – nome do doador, idade, órgão, nome do receptor, médico da equipe de retirada, médico da equipe receptora.
Mesmo os hospitais particulares que são credenciados ao sistema de doação de órgãos no Brasil não podem cobrar pelo procedimento realizado em suas dependências e toda a parte legal é realizada pelo SUS.
Alguns números importantes a serem levados em conta: ano passado (2022) foram realizados 2500 transplantes em nosso país e, somente na UNICAMP houve 450 notificações de morte encefálica e 140 doadores, totalizando 280 transplantes renais.
No caso do transplante do receptor famoso, recentemente abordado aumentou-se o foco no sistema de transplante brasileiro e questionou-se seu funcionamento e sua integridade, porém, a real importância deveria ser dada para os outros milhares de transplantes realizados com sucesso devido a organização do sistema e sua eficiência. Todos os doadores e receptores são importantes da mesma forma.
Dr. Luiz Sardinha – Médico Neurologista, Intensivista e Méd. de Tráfego CRM 51.515 RQE 61646 RQE 61647 RQE 119929