O pé torto congênito é definido como uma deformidade complexa que acomete todos os tecidos musculoesqueléticos (ligamentos, músculos, tendões e ossos) distais ao joelho, que acontece ainda na gestação.
Ocorre na incidência de 1-2 para cada 1000 nascidos vivos, sendo mais comum no sexo masculino e bilateral em 50% dos casos. O histórico familiar tem papel importante, sendo 17 vezes mais comum em parentes de 1º grau.
Sua etiologia é heterogênea, podendo ser causada por defeito do plasma germinativo, modelagem intrauterina, lesão muscular/vascular/nervosa primária, parada do desenvolvimento, infecção intrauterina, inserção tendinosa anormal, retração fibrosa, entre outros. O principal fator de risco ambiental é o tabagismo durante a gestação.
Principais deformidades:
- Cavismo do mediopé – aumento da curvatura do arco longitudinal
- Adução do antepé – desvio medial
- Varismo do retropé/articulação subtalar – projeção do calcâneo para medial
- Equino do tornozelo – limitação do movimento de flexão para cima (dorsiflexão)
O diagnóstico do PTC é clínico, não sendo necessário qualquer tipo de exame de imagem para estabelecê-lo. Os exames complementares podem vir a ajudar na escolha do tratamento cirúrgico no decorrer da evolução, se for necessário.
Existem 4 tipos:
- Idiopático: mais comum, encontrado em crianças normais – não regride sem intervenção
- Postural: regride completamente sem intervenção ou apenas com manipulação
- Neurogênico: é o PTC típico da mielomeningocele – geralmente é rígido e resistente ao tratamento
- Sindrômico: PTC em crianças com outras anomalias – também rígidos e resistentes ao tratamento
O tratamento tem por objetivo um pé: plantígrado, funcional, flexível, indolor, sem calosidades (boa distribuição da pressão) e que não necessite de calçados especiais.
Tratamento: Método de Ponseti – Padrão Ouro
Consiste em manipulação articular e trocas gessadas semanais e posterior tenotomia do tendão de Aquiles. Assim que for feito o diagnóstico, o ideal é iniciar o tratamento o mais precoce possível (primeiros 7-10 dias de vida), apresentando os melhores resultados antes dos 9 meses de vida. Até os 28 meses ainda é possível a correção parcial ou total.
As deformidades são corrigidas nessa ordem: cavismo, aduto e varo simultaneamente e, por fim, o equino.
Realiza-se manipulação das articulações e logo em seguida coloca-se o gesso na posição correta. As trocas gessadas são semanais. A cada troca é observada a evolução da correção, sendo que somente inicia-se o próximo passo quando a correção anterior está completa e satisfatória.
Após aproximadamente 5-7 semanas de manipulação e gessos, na maioria dos casos, será necessária a realização da tenotomia do tendão de Aquiles, que é indicada quando não for obtido pelo menos 10° de dorsiflexão do tornozelo. A tenotomia consiste na secção na borda medial do tendão, 0,5 a 1cm acima de sua inserção e pode ser realizada ambulatorialmente ou no centro cirúrgico. Após o procedimento, é realizado um gesso que ficará por 3 semanas. Após a retirada do último gesso e for constatada a correção da deformidade, a criança passará a usar uma órtese para manter a correção. A utilização da órtese de forma correta é fundamental para a eficácia do método de Ponseti, pois sem ela, todas as manipulações são perdidas e o tratamento deve ser iniciado do zero, podendo muitas vezes não ser tão eficaz e deixar sequelas no paciente.
Órtese de Dennis-Brown
Deverá ser utilizada na posição de rotação externa de 65-75° no lado acometido e 30° no lado normal (quando a deformidade é bilateral, deve ser em rotação externa de 70° em ambos os lados). Deverá ser conectada por uma barra entre os dois lados (o comprimento da barra entre os calcanhares deve ser a mesma distância entre os ombros do paciente). Nos primeiros 3 meses deve ser utilizada em tempo integral (23 horas por dia). Após esse período, deve ser utilizada por mais 2 a 4 anos durante 14-16 horas por dia.
Tratamento Cirúrgico
Ainda não há consenso a respeito da definição da falha do tratamento conservador, porem o que é preconizado atualmente é operar entre os 3 meses e 1 ano de idade. As técnicas cirúrgicas são “a la carte”, ou seja, realizadas de acordo com as deformidades a serem abordadas.
Conclusão
Assim que o pediatra constata a presença de pé torto congênito em seu paciente, deve encaminhá-lo ao ortopedista o mais rápido possível, de modo que o início do tratamento pelo Método de Ponseti seja precoce. Quanto mais tarde iniciar o tratamento mais rígido e mais resistente o pé será. Os pés resistentes (neurogênicos ou sindrômicos) também devem ser submetidos ao método de Ponseti, pois ainda que não ocorra a correção completa, qualquer correção parcial auxilia no tratamento cirúrgico posteriormente. Vale lembrar que o comprometimento da família é essencial para o sucesso do tratamento, já que um passo depende do outro e os resultados aparecem a logo prazo. O ortopedista e a equipe multidisciplinar devem sempre estar dispostos a esclarecer as dúvidas da família e salientar a importância de seguir as etapas a risca, de modo a evitar sequelas.
Dra. Monize Bernardinetti | CRM-SP: 206.140