O conceito de “tornar-se pessoa” é central no pensamento de Carl Rogers e merece conhecimento detalhado, uma vez que é crucial em sua abordagem terapêutica, representando um objetivo a ser atingido na vida e no processo de atendimento clínico. Em linhas gerais, poderia ser definido como um processo de busca de si mesmo, da procura pela integralidade do self, o que envolve apropriar-se de pensamentos e sentimentos excluídos da consciência.
A exclusão de sentimentos e ideias seria o correspondente na teoria psicanalítica de repressão. Rogers entendia que tais elementos integrariam o “self do organismo”, conceito que poderia envolver aspectos egóicos pouco consciente e o próprio Inconsciente, conforme postulado por Freud. Elementos do self do organismo não se apresentariam como aceitáveis em função do autoconceito desenvolvido pela pessoa.
Freud e os psicanalistas acreditavam que tais elementos ocultos da consciência, mas integrantes do self poderiam ser revelados por meio da “interpretação”. Esta se daria por meio de uma explicação de sonhos, chistes, associação de ideias e principalmente pela análise da transferência e da resistência.
A proposta de Rogers se diferenciava de forma relevante da Psicanálise ao postular que a integração de pensamentos e sentimentos excluídos da consciência, a qual se referia como “awareness”, se daria pela “consideração positiva” do paciente, preenchendo uma lacuna em seu desenvolvimento e possibilitando sua “autoconsideração positiva”.
O desenvolvimento de tal autoconsideração positiva seria, portanto, a essência do processo denominado “tornar-se pessoa”. Uma vez realizada tal empreitada, a pessoa se tornaria independente da necessidade de ser amada e valorizada, tornando-se confiante e não precisando da aprovação de outros.
Rogers apresentou algumas ocorrências que representariam obstáculos à conquista de uma vida psicologicamente saudável. Tais obstáculos foram principalmente elencados por Rogers como condições de valor, incongruência e defesas.
Acreditava Rogers que a maioria das pessoas estariam submetidas a “condições de valor”, na medida em que seriam amadas por seus pais, parceiros e pessoas próximas, na medida que atendessem as expectativas e se comportassem conforme comportamentos considerados adequados por tais pessoas. Tal aceitação seria, portanto, condicional a um comportamento esperado ou determinado.
As pessoas integrariam em sua estrutura as atitudes que seriam aceitas por pessoas importantes em sua história e passariam a representar uma verdadeira escala de autoavaliação para novas experiências.
Com o passar do tempo, alguns aspectos do self seriam excluídos da consciência, o que levaria tais pessoas a se afastarem do self real. Algumas experiências, ainda que prazerosas, seriam excluídas em função da busca de aprovação por outros, quer integrantes concretos do mundo externo ou de figuras internalizadas.
Outro obstáculo ou consequência da impossibilidade de assimilar pensamentos, sentimentos e comportamentos como próprios, seria a incongruência. A impossibilidade de integrar experiências organísmicas ao self em função do autoconceito seria causa de um desequilíbrio e de sofrimento.
Se não pudermos ter consciência (awareness) de nosso self do organismo entramos em sofrimento psíquico, o que frequentemente leva a transtornos de ordem mental e psicológica. Pode ocorrer que a pessoa adote comportamentos que reforcem o autoconceito baseado em avaliações e expectativas dos outros, gerando mais sofrimento.
A incongruência pode levar a comportamentos incompreensíveis, que seriam na verdade sintomas. Tais sintomas podem ser de difícil compreensão para os outros e para as próprias pessoas, tão grande a distância entre o self do organismo e o self percebido.
Muito frequentemente a percepção desta incongruência leva a ansiedade e medo. Tais sentimentos são muito desagradáveis e podem levar a dificuldades na vida em diversos campos, ainda que, por outro lado, possam estimular a pessoa na busca da congruência e da saúde psicológica.
Um terceiro obstáculo na conquista da congruência seria a ocorrência de defesas, que seriam mecanismos de proteção do autoconceito diante da dificuldade de integrar aspectos do self de difícil aceitação.
Entre possíveis defesas, haveria a distorção por intermédio da qual se interpretaria erroneamente uma experiência para que fosse aceita no autoconceito e a negação, quando tal experiência não pode ser aceita em qualquer medida pela consciência (awareness). Num grau de intensidade maior e diante da falha destes mecanismos de defesa, haveria uma desorganização do self que poderia se apresentar
como surtos psicóticos.
Dr. Francisco Ruiz – Psiquiatra
CRM: 55945 – RQE: 33048