Gordon Allport solicitou um encontro com Sigmund Freud. Era um jovem abusado? Seria algo semelhante como conversar com John Lennon e perguntar sobre o conteúdo de alguma canção?
Na verdade, Allport estava questionando o fundamento da Psicanálise e de outras grandes teorias da personalidade. Seria possível “universalizar” os achados obtidos em alguns poucos pacientes observados e transformar tais hipóteses em algo aplicável a todos os seres humanos?
Estudioso e meticuloso, Allport procurou uma definição para personalidade, já que havia inúmeras definições em diferentes campos do conhecimento. Em 1937 propôs a seguinte definição: “organização dentro do indivíduo daqueles sistemas psicofísicos que determinam ajustes únicos a seu ambiente”. Em 1961, por sua vez, modificou a última sentença para “que determinam seu comportamento e pensamento característicos”.
A mudança na definição de personalidade, ainda que realizada em um grande intervalo de tempo, não pode ser classificada apenas como um preciosismo. O criador da Psicologia do Indivíduo entendia que o comportamento humano não é apenas adaptativo ou defensivo, mas expressivo. O comportamento permite a adaptação ao meio bem como age sobre o próprio meio. Ele representa ação e transformação do meio ambiente. De acordo com Allporrt, 1961, “a personalidade é alguma coisa e faz alguma coisa”. Enfatiza, portanto, que além da aparência do comportamento há uma pessoa que age e transforma o mundo. A personalidade seria desta forma substância e mudança, produto e processo, estrutura e crescimento.
Outro aspecto importante da proposta de Allport foi o papel da motivação consciente. De fato, grande parte do tempo utilizado em uma psicoterapia ou análise se dá em termos do diálogo sobre pensamentos e motivações conscientes, ainda que a grande meta de muitos métodos terapêuticos seja o esclarecimento de motivações inconscientes. Parte-se da premissa que os pensamentos e motivações conscientes são de conhecimento do paciente e que este se dispõe a pagar pelo trabalho de um profissional que possa lhe ajudar no conhecimento de seus processos inconscientes.
Em seu encontro com Freud, Allport teria relatado sobre um menino com possíveis traços obsessivos e mania de limpeza e questionado ao grande mestre sobre suas ideias acerca da característica exibida pela criança, no que foi imediatamente questionado ou interpretado se este menino seria o próprio interlocutor.
A experiência do diálogo com Freud teria sido importante em suas construções teóricas levando-o a expressá-la de forma muito conclusiva em 1967: “Essa experiência ensinou-me que a psicologia profunda, por todos os seus méritos, pode mergulhar muito fundo e que os psicólogos fariam muito bem dar conhecimento aos motivos manifestos antes de sondarem o inconsciente”. Tal não significou que Allport não reconhecesse a importância de mecanismos e motivações inconscientes, mas apenas que sua crítica se dava em função de uma visão que não reconhecia o devido valor de processos conscientes.
Igualmente importante na teoria de Gordon Allport foi a importância que deu ao conceito de elementos da personalidade sadia ou madura. Ao contrário de Freud e muitos psicanalistas que enfatizaram aspectos daquilo que se convencionou chamar de funcionamento neurótico, este autor enfatizou o aspecto proativo do comportamento de pessoas saudáveis, agindo de forma consciente e inovadora sobre o ambiente.
De acordo com Allport, personalidades sadias podem ter histórias de sofrimentos e exibirem idiossincrasias, mas teriam maior autonomia e flexibilidade que lhes permitiriam suportar conflitos e sofrimentos, amadurecendo e exibindo comportamentos que permitiriam uma relação harmônica como as pessoas e consigo mesmo.
Seriam, portanto, seis critérios que poderiam ser classificados como elementos importantes de uma pessoa sadia: extensão do senso de self, relação cordial do self com os outros, autoaceitação, percepção realista do ambiente, insight, humor e uma filosofia de vida unificadora.
São conceitos que admitem múltiplos significados e esclareceremos em um próximo artigo.
Dr. Francisco Ruiz – Psiquiatra CRM 55.945 RQE 33.048