Um personagem incrível, universalmente conhecido, vivendo aventuras fantásticas, nasceu da pena do escritor italiano Carlo Collodi, no final do século XIX: Pinocchio. O boneco de madeira que aspirava humanizar-se, sem ser capaz de se comportar à altura desse desafio, por desobediência e ingenuidade quanto aos demais, cujo nariz crescia frente às mentiras que proferia para se explicar, se defender ou fazer algo que desejava, e que tinha como conselheiro o Grilo Falante, já foi tantas vezes revisitado e reinterpretado desde o lançamento do original de Collodi, em 1883, que não surpreende que novas versões apareçam.
No caso, o filme de animação musical stop motion do cineasta mexicano Guillermo Del Toro (e de Mark Gustafson) é uma produção norte-americana caprichadíssima. Realiza um espetáculo fascinante com seus bonecos, a trilha sonora de Alexander Desplat e as vozes de um elenco de ótimos atores e atrizes: Gregory Mannn (Pinóquio), David Bradley (Gepeto), Ewan McGregor (o Grilo), Tilda Swinton, Finn Wolfhard, Ron Pelman, Cate Blanchet. É uma versão moderna do personagem. O que, no caso de Guillermo Del Toro, significou uma história com um viés mais sombrio e mais político.
Pinóquio, como personagem infanto-juvenil, está lá e a animação é atraente para as crianças. Mas o filme conversa com um universo mais amplo, capaz de incluir facilmente os adultos. Fala, por exemplo, da relação pai e filho como expectativa e como imperfeição, enquanto regra. Atribui a Gepeto a busca de um filho para compensar a perda de outro. E ele, magicamente, cria o boneco de madeira que vive. E como! Capaz de grandes aventuras e até de salvar a vida do “pai”. Esse filho de Gepeto que morreu remete ao período da Primeira Guerra Mundial e Pinóquio vai representar para o Duce em plena Itália fascista de Benito Mussolini (que aparece como boneco).
E é capaz de ridicularizar o ditador fascista. Muita liberdade criativa em relação à história original? Claro!
Porém, é preciso dizer: todo o espírito aventureiro e muitas das histórias do livro de Collodi estão lá, respeitando esse espírito da criação original.
A leitura moral das atitudes de Pinóquio, naturalmente, mais valoriza do que critica a sua desobediência frente aos adultos, o que incrementa o caráter aventureiro da narrativa. A questão afetiva, da relação pai e filho, é plenamente preservada. Só que com mais realismo. Nunca somos os pais
que desejaríamos ser, nem os filhos que gostaríamos de ter sido. Porque a vida é assim. As idealizações não resolvem nada, só atrapalham.
Enfim, o filme é bonito, empolgante, o roteiro é inteligente, resgata um personagem maravilhoso. A técnica de animação é magnífica. Acaba
alcançando um padrão visual excelente, que nos permite embarcar na fantasia por inteiro. O “Pinóquio” de Guillermo Del Toro tem quase duas horas de duração, mas flui com leveza e encanta. Nem dá para sentir o tempo passar.
Antonio Carlos Egypto – cinemacomrecheio.blogspot.com