A corrente culturalista da psicanálise

A Psicanálise Culturalista surgiu como uma posição contraposta à Psicanálise Freudiana, entendida esta por alguns psicanalistas como um “modelo biológico e genético” e deficiente na medida em que ignorou o avanço do conhecimento propiciado pela antropologia e sociologia em fins do século XIX.

Se a crítica pode ser considerada pertinente ou não, trata-se de controvérsia que se estende aos dias atuais. Seria, de fato, a proposta de desenvolvimento da personalidade proposta por Freud um modelo estabelecido em bases biológicas ou apenas um modelo que se utilizava da linguagem e do pensamento corrente da época? 

Nunca será demais lembrar que Sigmund Freud era um médico neurologista e apresentou seus primeiros estudos a um grupo exclusivamente médico e voltado para as doenças conhecidas e pesquisadas pela Medicina. 

O fato é que os primeiros colaboradores de Freud entenderam que este havia desconsiderado a importância do meio social e da cultura no desenvolvimento da personalidade. Acreditavam que o conceito de pulsão, entre outros, estava demasiadamente ligado à biologia. 

O primeiro colaborador de Freud a afirmar a importância das relações sociais na formação da identidade foi Adler, ainda que não se possa afirmar que este fizesse parte da corrente culturalista. 

A ideia que o homem é um ser essencialmente social e que o interesse social é um fator primordial na saúde mental do ser humano representa uma ruptura importante com a ênfase dada por Freud à importância da libido no desenvolvimento da criança. Ainda que não negasse a importância da sexualidade infantil, Adler enfatizou aspectos vivenciais experimentados pela criança em suas primeiras relações sociais, sendo a relação com os pais a mais importante. 

A ideia de que complexos e comportamentos compensatórios derivavam de sentimentos de inferioridade experimentados precocemente e não de vicissitudes do desenvolvimento libidinal representou importante mudança no enfoque da proposta analítica. 

Outro aspecto importante da teoria freudiana confrontado por Adler foi a ideia do pai da Psicanálise referente à chamada inveja do pênis e que supostamente poderia significar uma posição teórica que indicaria uma fragilidade inerente às meninas, com possíveis correspondentes na vida adulta da mulher. Adler, ao contrário, acreditava que o sentimento de inferioridade não decorria de uma questão propriamente sexual, mas de vivências nos primeiros contatos sociais da criança. 

Da mesma forma, o conceito de vontade de poder seria de natureza não física, mas da aspectos culturais e de reações da criança ao sentimento de inferioridade. O aprendizado da criança a orientaria no sentido de buscar o poder como forma de defesa e afirmação. De forma diversa, a dificuldade em afirmar seu poder e superar seu sentimento de inferioridade poderia levar a criança a desenvolver um padrão ineficiente de comportamento caracterizado por extremos de inibição ou agressividade excessiva. 

Karl G Jung, do mesmo modo, não pode ser considerado um psicanalista culturalista, mas trilhou um caminho próprio no desenvolvimento do método e da teoria analítica ao apresentar conceitos radicalmente distintos de Freud como a importância de arquétipos na estrutura psíquica. 

Entre os principais membros da corrente culturalista se destacam Karen Horney e Erich Fromm. Partindo do movimento psicanalítico tradicional, desenvolveram um corpo de pensamento teórico distinto do fundador da Psicanálise e terminaram por criar associações distintas em território norte-americano. 

Assim como Adolf Adler, Karen Horney criticou Freud em vários aspectos como na rigidez da teoria de personalidade freudiana, o que poderia levar à estagnação do desenvolvimento teórico da Psicanálise, além de criticar as ideias do mestre em relação à psicologia feminina e ressaltar a importância das influências culturais na formação da personalidade. 

Contemporâneo de Karen Horney, com quem manteve relação próxima de amizade e interlocução teórica, Erich Fromm desenvolveu ideias próprias, classificadas por Feist, Feist e Roberts, Teorias da Personalidade, Ed. Artmed, como Psicanálise Humanista. De acordo com estes autores, Fromm teria sido, mais que um teórico da personalidade, um crítico social, psicoterapeuta, filósofo, estudioso da Bíblia, antropólogo cultural e biógrafo. Para Fromm, “A discussão da situação humana deve preceder a da personalidade e a psicologia deve estar baseada em um conceito antropológico da existência humana” (Fromm, Man For Himself: An Inquiry Into de Psichology of Ethics, NY Holt, Rinehart and Winston). 

As críticas dos culturalistas podem ter se apresentado de forma extremista e negado a contribuição do próprio Freud na aproximação entre as ciências sociais e a Medicina, mas certamente contribuíram para  o conhecimento dos processos psíquicos e o conhecimento do ser humano em suas relações com a cultura e a sociedade. 

Francisco Carlos Ruiz – Médico Psiquiatra

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